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Wednesday, May 28, 2008

crystal tears...


Andreas Scholl sings Venus Birds

Foi com enorme prazer que a manhã me despenteou com Crystal Tears, último trabalho do brilhante Andreas Scholl, um dos melhores contratenores da actualidade. Acompanhou-me pelo dia fora e trouxe um pouco de firmamento (e de John Dowland) ao meu gabinete de trabalho e à minha vida…

Go crystal tears, like to the morning show'rs
And sweetly weep into thy lady's breast.
And as the dews rerive the drooping flow'rs,
So let your drops of pity be address'd,
To quicken up the thoughts of my desert,
Which sleeps too sound whilst I from her depart.

Haste restless sighs, and let your burning breath
Dissolve the ice of her indurate heart,
Whose frozen rigour like forgetful Death,
Feels never any touch of my desert:
Yet sighs and tears to her I sacrifice,
Both from a spotless heart and patient eyes

John Dowland (1563-1626)

Monday, April 28, 2008

pelas vozes das mulheres...

Domingo à noite. Um convite transporta-me para o S. Luiz. O contratenor brasileiro Edson Cordeiro apresenta “The woman’s voice”, em que inclui uma homenagem a Amália. “Fado português”, de José Régio e Alain Oulman, um dos temas do repertório que interpretou acompanhado ao piano. Cordeiro que começou a sua carreira como imitador de Elis carrega para o palco todos os sabores e temperos de eclécticos estilos musicais. E é assim que as canções eternizadas por mulheres tão desiguais como Nina Hagen, Billie Holiday, Madonna, Yma Sumac, Carmem Miranda ou Shirley Bassey fazem parte desta digressão por terras de brandos costumes. Cantor de culto, Edson é um entertainer de dimensão teatral com uma capacidade extraordinária de nos enfeitiçar. Este performer que lançou polémica com uma controversa versão de “Ave Maria”, e por isso atraiu opiniões reprovadoras da Igreja, ultrapassa a barreira entre a arte e o kitsch e o seu repertório é imenso quanto o seu espectro vocal. Da ópera ao pop contemporâneo, ele ilumina o palco com a sua voz, carisma e um forte sentido de humor. O cantor e performer – que já foi definido como «Freddie Mercury cruzado com Maria Callas, com o resultado filtrado pelo espírito livre de Janis Joplin» – distingue-se pela voz de contratenor e conquistou uma nomeação para os “Grammy’s” Latinos. Uma voz apaixonada, expressiva e pura deixou-me agradavelmente surpreendido. Colossal quando interpretou a canção de Piaff "Mon Dieu". Um gigante no palco – e no coração. Em terras germânicas, onde é bastante popular, chamam-lhe “o homem das quatro oitavas”. Em solo lisboeta fez-me sentir que de facto a arte é maior do que a vida.

E a noite não acabou. Éramos seis (os Paulos, o Zé, o João Carlos, a Lídia et moi-même), no Bairro Alto Hotel, a brindar ao que tínhamos visto (e ouvido) nas tábuas do teatro da Rua António Maria Cardoso…

Tuesday, February 26, 2008

num país chamado Simone...

Eu em troca de nada dei tudo na vida
Bandeira vencida, rasgada no chão
Sou a data esquecida, a coisa perdida que vai a leilão


Ontem à noite nas portas de Santo Antão, Simone comemorou meio século de carreira. Num país chamado Simone espelhou não só os anos de estrada da cantora/actriz, como se cruzou com os últimos 50 anos da história contemporânea portuguesa: o Estado Novo, a Guerra de África, a RTP, a Primavera Marcelista, o Vinil, os Festivais, o 25 de Abril, o CD, as outras TV’s... Desde pequeno que escuto a sua voz. Mesmo se ninguém na turma a considerasse, ainda que nenhum amigo meu em tempos de adolescência a elencasse nas suas músicas preferidas, eu não me importava. Mesmo que não tivesse companhia e idade (a idade dos filhos dela) para ir vê-la ao teatro, ainda que e apesar de, não me afectava a opinião dos outros. Atraía-me aquele temperamento marcado pelo excesso: desmesura de talento, de vontade, de querer. Excesso de expressão e de paixão. Associei-me a ela na ilusão de um mundo de poetas e poesia sem ainda saber que sonhar demais podia fazer sofrer sonhos que sonhei onde estão…horas que vivi quem as tem... Era miúdo e espreitava-a à saída de um dos teatros do Parque Mayer. Cantarolei tangos ribeirinhos, sete letras, palavras gastas, ribaltas, cartas de Outono, visitas de camarim e outras. Ainda que apreciador de outras vozes e linguagens que não propriamente as das canções ditas ligeiras eu admiro o seu vozeirão. No seu currículo, entre compositores e letristas, sobressai José Carlos Ary dos Santos, sendo Simone a voz que melhor se encastoou nas palavras do poeta. Indiscutivelmente. Muitos outros cantaram Ary. Mas com menos brilho. Noutras vozes convoca-se o drama, a angustia, o niilismo do ser, a nostalgia...mas a raiva assim, não! E Simone consegue cantar a paixão, a fúria, e a revolta, como ninguém. Por isso, a cantora de Desfolhada, com a qual fará história: história da música popular urbana, mas, também, a história das mentalidades, é a voz por excelência para as palavras de Ary. E de Eugénio de Andrade. E de Vasco de Lima Couto. E dos melhores poetas....Ouvir Simone é uma aventura. De sentimentos, de contradições, de verdades, de iras. A mulher que gosta de beber um copo e conversar, porque toda a sua vida foi noctívaga, que gosta da gente da noite, com todos os seus defeitos, porque o bando da noite tem um tipo de verdade que a gente das oito da manhã não tem. Adulada, amada, interpretada, plagiada, apreciada, reverenciada, premiada, mas também invejada e detestada a voz de Simone tem o travo do real puro e contém uma deleitosa técnica jazzistica. No palco do Coliseu estiveram relevantes nomes da nossa música abrangendo várias formações à imagem e semelhança do seu público, porque Simone é intemporal e entre os seus muitos fãs é possível encontrar as 3 gerações. Só uma grande figura consegue esta proeza e Simone é uma grande mulher…

Sunday, November 04, 2007

na fotografia, estamos felizes...

Após um delicioso Fettuccine Santola consumido ao inicio da noite e tendo o Tejo como cenário, escutei no Centro Cultural de Belém "uma pauta visual de mar e céu, de paisagens e cidades, de memórias e desejos" na voz da mais internacional das actrizes portuguesas Maria de Medeiros em concerto integrado no festival Temps D' Images: na fotografia, estamos felizes que contou com imagens em super 8 do artista plástico Daniel Blaufuks, vencedor, no ano passado do BES Photo, o mais importante prémio da área da fotografia. Com os vídeos de família dos anos 70 em pano de fundo, surgiram as versões do disco A Little More Blue, o único na carreira da actriz. O concerto assentou nas canções que Caetano Veloso compôs, no exílio, em Londres. A acompanhar a cantora e actriz em palco esteve o Trio de Jazz, composto por um francês no piano, um turco no contrabaixo e um brasileiro na percussão. Não sei que diga, mas foram sessenta minutos de melancolia e modernidade muito agradáveis …

ver e ouvir aqui um excerto...

Tuesday, July 24, 2007

porque a dor nunca acaba...



It's not
What you thought
When you first began it
You got
What you want
Now you can hardly stand it though,
By now you know
It's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Til you wise up

You're sure
There's a cure
And you have finally found it
You think
One drink
Will shrink you 'til you're underground
And living down
But it's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Til you wise up

Prepare a list of what you need
Before you sign away the deed
'Cause it's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Til you wise up
No, it's not going to stop
'Til you wise up
No, it's not going to stop
So just...give up

Aproveitando a vinda de Aimee Mann a Portugal (hoje à noite nas Portas de Santo Antão), aqui fica um momento musical único do filme Magnólia.

Magnólia é uma história que decorre em San Fernando Valley num dia de muita chuva e sem nuvens. São 24 horas cruciais da vida de 10 personagens cujas existências se cruzam numa dança de acasos. Este é um dia perigoso, pois é o dia em que se resolvem conflitos, se anulam frustrações e se perdem medos. Histórias interligadas em redor de um produtor de televisão que, na iminência da morte, deseja fazer as pazes com o filho que abandonou. As histórias que aqui se interligam tratam de isolamento e de desagregação familiar, de desespero, arrependimento, redenção e das tentativas de corrigir erros graves do passado. Não existem verdadeiramente malfeitores. Mesmo as personagens mais censuráveis (as que exploram o filho, abandonam a mulher doente ou abusam de um menor), têm direito a um tempo de exposição que permite compreender o seu modo de agir e as suas motivações. O realizador arruma estes elementos numa estrutura narrativa, que aloja acontecimentos paralelos, num só dia. A coincidência, o inesperado e o inexplicável são usados como catalisadores das várias situações, remetendo as personagens para o final que merecem, ou, sob um prisma religioso, para o respectivo Céu ou Inferno. Mas como alguém sensatamente diz, há coisas que simplesmente acontecem, mesmo sem explicação aparente.

A introdução das personagens, na sequência do tríptico de histórias "incríveis", é um dos grandes momentos do filme; uma longa montagem acompanha os actores principais, com a câmara efectuando diversos travellings lentos, acompanhada pelo score musical quase hipnótico.

Parece ser obrigatório referir o momento em que as personagens cantarolam sobre uma canção de Aimee Mann. Entre o surreal e o sentimental, não só não cai no kitsch, como pontua o filme com algo perturbador e que ficou retido na minha memória.

Afinal quem é que nunca trauteia uma canção que ilustra o seu estado de espírito?

Mas o filme aqui, volvidos sete anos após a estreia em Lisboa, é apenas um pretexto,

a música uma chamada de atenção,

a vinda da cantora de Wise up a Portugal um rememorar
do evidente facto

que é a dor nunca acabar.

Wise up, não me canso de ouvir…

Sunday, March 18, 2007

poesia ao fim da tarde...

Beatriz Batarda e Bernardo Sassetti novamente num recital de poesia na voz da actriz, acompanhada por música original do compositor-pianista, desta vez com poemas de Adília Lopes e uma vez mais no Jardim de Inverno do S. Luiz. Singularíssimos poemas com os seus irresistíveis jogos de palavras, tias, freiras, sexo, médicos, bichos, meninas, religião, paixão, frustração, ingenuidade e perversidade enlaçadas ou, tem-se dito, imaginários da condessa de Ségur e do marquês de Sade misturados -, expressivamente lidos, com a música a contar a história das palavras. A Autobiografia Sumária de Adília Lopes: "Os meus gatos/gostam de brincar/com as minhas baratas" tocou novamente aqueles que serenos ouviam o respirar das palavras e da música. Tudo isto aconteceu hoje ao fim da tarde num teatro municipal ali mesmo no Chiado.

Monday, March 12, 2007

viagem no jardim de inverno...


Bem, eu liberto-me como posso. Aquele conto da Viagem, escrevi-o para me libertar de uma certa sensação de morte e de perca, e de desaparecimento, e aí foi bastante catártico.
Sophia de Mello B. Andresen

Ontem à tardinha, à hora dos mágicos cansaços como escreveu Florbela, fui ao Jardim de Inverno – gosto particularmente desta designação – do Teatro São Luiz assistir a um recital por Beatriz Batarda, com música original de Bernardo Sassetti, numa colaboração com o Festival Sete Sóis, Sete Luas. Este domingo foi a vez da actriz interpretar uma versão musicada do conto "A Viagem", de Sophia de Mello Breyner Andresen. O “Jardim” estava a abarrotar embora muitas das caras não me fossem desconhecidas; em frente à minha mesa onde me deliciava com um generoso balleys e escutava as palavras de Sophia, a voz de Beatriz e a música de Sassetti, Jorge Salavisa coordenava com o olhar a sala daquele teatro lisboeta de que é director. Foi uma sensação agradável confundir-me com toda aquela atmosfera envolta nas palavras enigmáticas da grande senhora da poesia portuguesa. Sem sombra de dúvida, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos – um nome que se transformou, em sinónimo de Poesia e de musa da própria poesia.

O conto “A Viagem” configura-se como uma alegoria da vida humana e do modo como as pessoas têm de escolher um caminho, ou melhor, como têm de FAZER elas próprias o seu caminho. Através de uma belíssima alegoria Sophia apresenta-nos todos estes problemas no seu conto. Nele um casal que vai numa estrada é constantemente confrontado com o desaparecimento dos caminhos. Ambos pedem indicações e ajudas mas essas pessoas também desaparecem. Os dois pensam que se enganaram, voltam atrás, tornam a avançar por outros caminhos. Até que chegam a um abismo — simbolicamente o fim da viagem e, portanto, a morte. O homem cai e pouco depois também a mulher irá cair no precipício. Mas, mesmo nesta situação limite a mulher pensa:

— Do outro lado do abismo está com certeza alguém.

E começou a chamar.

Dois temas dominantes se digladiam neste conto: o absurdo e a esperança. No final, vence claramente a esperança. Deste modo, este conto contém uma lição sobre como lidar com o ABSURDO da vida: pressupõe a atitude do crente, de quem acredita que existe alguém depois da morte, mas também demonstra aquilo que Sarte dizia: “não é necessário ter esperanças para fazer”, para criar.

Mesmo perante a falta de sentido com que a vida muitas vezes nos galanteia, o homem tem de inventar a si próprio, tem de criar o seu caminho – tem de inventar o amor porque não há amor já feito.

Tudo isto ao fim da tarde num teatro sito no Chiado, um dos lugares que ainda me faz gostar de Lisboa.

Wednesday, December 13, 2006

partituras de Mozart...


fiquei fora de mim devido à sua morte. Não podia crer que a providência roubasse assim tão cedo a vida de um homem de tal modo indispensável
Haydn

Todas as partituras de Mozart estão disponíveis a partir de hoje na Internet (http://dme.mozart.atum) por iniciativa da Fundação Internacional Mozarteum de Salzburgo, cidade do compositor, no encerramento das comemorações dos 250 anos do seu nascimento. São 600 as criações do prodígio da história da música, classificadas em 10 séries, que vão dos cantos litúrgicos aos concertos para orquestra, passando por música de câmara e obras para piano.

Trata-se de uma contribuição decisiva para a difusão da música deste génio precoce, com personalidade musical complexa e certamente o mais extraordinário fenómeno da história da música erudita.

Até eu, apesar de leigo mas febril de actividade musical, continuo a sonhar com uma interpretação ideal do maravilhoso concerto para piano e orquestra, em si bemol maior (K 595), o último que Mozart compôs, doente, triste, esmagado pela miséria, guilhotinado em movimento lento pela estupidez do mundo e pela transição dos regimes.

Tenho celebrado o segundo centenário do luminoso menino de Salzburgo ouvindo, com peso na alma, a obra deste génio e assim venho galgando dois séculos na minha torre esguia junto ao céu, que é o meu admirável sótão.

Folião e bon vivant como era, Wolfi adoraria, sem dúvida, toda essa agitação.

Thursday, December 07, 2006

casa da lenha


Não fiques para trás oh companheiro
É de aço esta fúria que nos leva
Para não te perderes no nevoeiro
Segue os nossos corações na treva.

Vozes ao alto, vozes ao alto
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada
Ao sol desta canção.

Aqueles que se percam no caminho
Que importa? Chegarão no nosso brado
Porque nenhum de nós anda sózinho
E até mortos vão a nosso lado.

Vozes ao alto!
Vozes ao alto!
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada
Ao sol desta canção.


"A Casa da Lenha" mostra-nos a vida e obra de Fernando Lopes Graça no ano em que se assinala o centenário do nascimento do compositor.

Compositor, musicólogo, intelectual, Lopes Graça mergulhou no folclore e criou com Michel Jacometti o cancioneiro popular português tendo musicado grandes poetas, como Torga, Régio ou Casais Monteiro. "A Casa da Lenha" recorda aquele que foi sobretudo um vanguardista. Na vida, como na obra, era intenso e denso, dizia o que pensava e pensava o que dizia. Lopes Graça dizia que não se pode viver sem música, como não se pode viver sem ideais e por isso foi detido várias vezes e obrigado ao exílio em Paris. Tanto como sonhava criar, Lopes Graça desejava a liberdade.

Carlos Paulo foi a escolha óbvia para protagonista e durante duas horas o palco do Teatro D. Maria II transforma-se num livro de memórias, sentimentos e numa extensa galeria de personagens que se cruzaram com o compositor.

[Ontem o Tiago Figueiredo, ofereceu através do blog Viver na Alta de Lisboa bilhetes para a peça. Eu, um dos felizes contemplados, recomendo.].

Wednesday, November 22, 2006

e se eu pudesse entrar na sua vida...

Beatriz

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

[No passado domingo ouvi a actriz Manuela Couto e a cantora de jazz Maria João interpretarem a composição de Edu Lobo/Chico Buarque, “Beatriz”; a música e a letra não me têm saído da cabeça, é uma canção intimista e belíssima…foi na semana que morreu a actriz e encenadora Maria João Fontaínhas, fundadora da Companhia de Teatro de Sintra, vítima de cancro, com 38 anos. Dias existem que estamos mais sensíveis à beleza (e crueza) das palavras (e das noticias)…]
Aqui fica também a voz de Ana Carolina cantando Beatriz

Sunday, November 19, 2006

conversas de camarim...

Viagem através do livro "Camarim com janela para a rua" de um actor que já partiu, Varela Silva. Simone, Vítor de Sousa e Nuno Feist ilustram estas histórias com cantigas e poemas, num cenário de bastidores. Uma hora onde umas furtivas lágrimas se misturam com gargalhadas e a memória desperta. Conversas de Camarim recorda Varela Silva, Ary dos Santos, António Gedeão, Eugénio de Andrade, Miguel Torga, Vasco de Lima Couto e alguns actores e actrizes que já fazem parte da história do teatro português. Tudo isto no Jardim de Inverno do Teatro S. Luiz por volta da meia-noite. Aconteceu, ontem, depois de ver o Perfume, ter jantado no Chiado e ter comprado na Bertrand O Amante do Vulcão, de Susan Sontag (por influência do madrileno David, o enfant terrible da blogosfera).
Tocante este momento de camarim com um pequeno palco, duas cadeiras, um piano, três personagens, hora e meia de emoções que vale a pena. Nenhuma pretensão, uma conversa solta, ilustrada com cantigas e poemas, histórias divertidas e recordações amargas. Tudo isto com uma mulher de audácia, de génio, de raça e sempre inquieta.
Dois dos poemas lidos e cantados à luz de umas velinhas que, como escreveu o húngaro Sándor Márai, arderam (quase) até ao fim…

AMOR SEM TRÉGUAS
É necessário amar,
qualquer coisa, ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.

Não importa de quem,
nem importa de quê;
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.

Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma cosa qualquer,
seja lá o que for.

Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.

Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.

Amar como o homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até á morte,
amar até ao ódio.

Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor.
António Gedeão

ADEUS
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
Eugénio de Andrade

Que pena não ter um camarim!!!

Saturday, November 11, 2006

Zapping - Câmara Clara


Elisabete Matos é a mais internacional das cantoras líricas portuguesas, António Pinho Vargas um consagrado compositor de música erudita. Na semana em que Elisabete Matos veio de Espanha, onde está sediada, dar um muito aguardado recital na Fundação Calouste Gulbenkian, o Câmara Clara recebeu estas duas personalidades para uma conversa sobre a vida dos compositores e intérpretes da música clássica "neste mundo onde a velocidade e o facilitismo não promovem produções e consumos tão exigentes". Da relação com os públicos às centenas de concertos, passando pelo quotidiano entre aeroportos e hotéis aconteceu uma viagem ao extraordinário mundo dos grandes nomes da música erudita.
Foi ontem à noite na RTP 2 e fez-me bem aos males da constipação…
*
Bom Dia

Tuesday, November 07, 2006

é terça-feira...

É TERÇA- FEIRA

É terça-feira
e a feira da ladra
abre hoje às cinco
de madrugada

E a rapariga
desce a escada quatro a quatro
vai vender mágoas
ao desbarato
vai vender
juras falsas
amargura
ilusões
trapos e cacos e contradições
É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração é incapaz de dizer
"tanto faz"
parte p'ra guerra
com os olhos na paz
É terça-feira
e a feira da ladra
quase transborda
de abarrotada

E a rapariga
vende tudo o que trazia
troca a tristeza
pela alegria

E todos querem
regateiam
amarguras
ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte p'ra guerra
com os olhos na paz
É terça-feira
e a feira da ladra
fica enfim quieta
e abandonada
e a rapariga
deixou no chão um lamento
que se ergue e gira
e roda com o vento
e rodopia
e navega
e joga à cabra-cega
é de nós todos
e a ninguém se entrega

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte p'ra guerra
com os olhos na paz
Sérgio Godinho
*
Bom Dia!

Sunday, September 03, 2006

Chavela Vargas...

Influenciado pelo Canal Mezzo adquiri o disco de CHAVELA VARGAS gravado ao vivo no concerto que deu no Carnegie Hall de Nova Iorque. De acordo com alguns críticos, CHAVELA VARGAS alcançou com este concerto o ponto mais alto da sua carreira, nunca antes tinha cantado assim. Toda a força da presença de um ícone, que influenciou várias gerações de artistas latinos e não só. Comovente.

Tómate esta botella conmigo
en el último trago nos vamos
quiero ver a qué sabe tu olvido
sin poner en mis ojos tus manos
Esta noche no voy a rogarte
Esta noche te vas que de veras
que difícil trata de olvidarte
y que sienta que ya no me quieras

Nada me han enseñado los años
siempre caigo en los mismos errores
otra vez a brindar con extraños
y a llorar por los mismos dolores

Tómate esta botella conmigo
en el último trago me dejas
esperamos que no haya testigos
por si acaso te diera vergüenza
Si algún día sin querer tropezamos
no te agaches ni me hables de frente
simplemente la mano nos damos
y después que murmure la gente

Nada me han enseñado...

Clicar em Chavela Varges para ouvir um pouco desta voz embargada.

Wednesday, August 30, 2006

i let the music speak...

Anne Sofie von Otter é hoje uma das divas do belcanto e uma das mais conceituadas solistas mezzo-soprano do repertório operático...
Depois de For the Stars, um CD de duetos com Elvis Costello, o meio-soprano sueca Anne Sofie von Otter apresenta I let the music speak que inclui várias canções dos seus compatriotas Abba. Uma das grandes cantoras líricas da actualidade, detentora de inúmeros prémios pelas suas gravações e em reconhecimento da sua craveira artística, Anne Sofie von Otter é aclamada em todos os grandes palcos operáticos do mundo e possui uma discografia cheia de «pérolas» que abarca desde Monteverdi, Purcell e Händel até Debussy, Stravinsky, Korngold, Zemlinsky, Wolf e Weill, passando por Bach, Brahms, Gluck, Grieg, Mahler, Mozart, Rossini, Berlioz, a Carmen e Richard Strauss. Esta versatilidade e o seu gosto em correr riscos são agora alargados a este novo disco, que é resultado do conhecimento travado com Benny Andersson, um dos membros dos fab four suecos. Aliás, já em For the Stars von Otter havia incluído o tema dos Abba intitulado Like an Angel Passing Through My Room, onde era acompanhada precisamente por Andersson e que a cantora classifica como "a faixa mais bonita de todo o disco". Em relação aos Abba, apesar de, como sueca, ter «puxado» por Waterloo em 1974, von Otter só se tornou fã do grupo em 1978, quando, em Basileia, comprou o álbum The Visitors: "Tinha música muito boa, contava muitas histórias. Fiquei espantada.". Como para sossegar os fãs, von Otter diz: «Estou a fazer tudo com muito cuidado e segundo o meu gosto, não para me vender. Não sou um Bocelli, cheia de grandes arranjos orquestrais por trás», e confessa: «Nenhuma música me faz chorar como a dele».

Fonte: http://www.deutschegrammophon.com/special/?ID=vonotter-abba
*Anne Sofie von Otter vai estar em Lisboa para cantar os temas de I Let the Music Speak no concerto de abertura da temporada de música 2006/7 da (Grande Auditório, 4 de Outubro, 19h00).
Escutar Anne Sofie