Wednesday, December 26, 2007

templo da solidão...

Foto Galeria

noutro mundo, noutra época. noutra lógica. noutra vida…

No grande portão que dá acesso ao mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, um letreiro diz: “Clausura”. É a Cartuxa de Évora, o único convento em Portugal onde os monges vivem verdadeiramente para o silêncio e a contemplação. A um fotógrafo e um repórter foi concedido o privilégio raro de entrar no templo da solidão. E desvendar parte do seu segredo.

O Natal tem destas coisas, recebi, entre outros, um livro precioso. Uma obra que estabelece bem a diferença entre os monges e nós: eles preferem a solidão e o silêncio. nós escolhemos a solidão e o ruído. O Segredo da Cartuxa retrata a Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli, único convento em Portugal da Ordem Cartusiana, fundada por São Bruno há mais de 900 anos. O livro retrata a vida do único mosteiro contemplativo masculino no país, no qual cada monge vive e trabalha sozinho na sua cela quase todo o tempo. Deslizam como bichos rente aos muros. Vêm em fila, das suas celas para a capela. Surgem seis de um lado, seis de outro do grande claustro, um após outro, em silêncio, cabeça baixa, capuz a cobrir a cabeça, todos na segunda metade da vida. Por uma vez não foi preciso ser monge para que outros homens entrassem no Convento, em Évora: o livro abriu as portas de um mundo de silêncio, clausura e despojamento. O recolhimento habitual do único mosteiro contemplativo masculino do país foi perturbado para os irmãos cartuxos abrirem as portas da sua casa e darem as boas-vindas a dois estranhos curiosos para desvendar os rituais e o sentido do seu modo de vida. Fruto de seis anos de visitas à Cartuxa, apesar dos repetidos «não» ouvidos da boca do padre Isidoro. Os autores não perceberam porque os deixaram entrar, recordando as várias vezes em que o prior tentou demovê-los de continuarem a pesquisar material para o livro. O barulho no convento é anormal, mas uma vez na vida não faz mal, referem os monges, compreendendo a curiosidade e reconhecendo que a vida de um monge pode ser desconhecida e incompreensível, especialmente para a gente que vive acostumada ao hedonismo. Para um leigo, parece haver nos monges um orgulho do seu silêncio. Um tem uma voz fanhosa, outro um sotaque anglo-saxónico, outro soa como uma gralha rouca, outro emite um som para dentro, outro marca apenas o final de cada frase, outro arrasta uma ladainha sonolenta, outro um sopro de coruja moribunda, mas o efeito final é de uma beleza misteriosa. “Oramos com a voz, com a mente e com o corpo”, esclarece o padre prior. Falam da sua escolha com serenidade, alegria e sem deslumbramento, como se estivessem completamente certos de que foi a correcta. Mas há uma diferença entre nós e os doze homens que habitam o convento: por muita fé que se tenha, é preciso uma dedicação total para se deixar o mundo «lá fora» e aceitar que se está num convento para toda a vida. A vida de um monge cartuxo é austera, pratica-se a solidão, a Cartuxa edifica pelo silêncio. Apesar de poder parecer uma boa maneira de fugir do mundo e da vida, é um modo de existência que não se recomenda aos ensimesmados. A introversão muito forte acaba por ser inimiga da solidão. Para ser monge é necessário um equilíbrio psicológico muito forte, para conseguir suportar a austeridade e o silêncio. Quando questionados sobre as saudades do que deixaram para trás, respondem que o coração reclama dos seus ao princípio, mas contrapõem que as saudades passam e a recompensa é a permanente alegria espiritual em que vivem. Oração, trabalho e descanso são os três eixos fundamentais. Vivem independentes e auto-suficientes procurando a sensação de viver como os antigos eremitas que estiveram na génese da ordem. Uma condição fundamental para viver assim é acreditar que Deus é o ser único, é o único que existe, os outros só vivem. A casa da ordem em Évora foi construída no fim do século XVI e dedicada à Virgem. Foi-lhe dado o nome de «Scala Coeli», a Escada do Céu. Em 1834, quando o regime liberal extinguiu as ordens religiosas, os monges foram expulsos e os seus bens nacionalizados. O convento passou a ser Hospício das Donzelas Pobres de Évora, foi escola de agricultura e foi comprado ao Estado pela família Eugénio de Almeida, que em 1960 acabou por o devolver à ordem. O edifício é hoje propriedade da Fundação Eugénio de Almeida, que assegura a sua conservação.

Viver em clausura não significa que os monges não continuem a ter os olhos postos no mundo. Informam-se de modo a poderem animar as conversas. As notícias relacionadas com a igreja e «os cataclismos» são tópicos de especial interesse. A sua vida tem um plano traçado, dia a dia, para sempre. Mesmo depois do fim não deixarão o convento: no centro do claustro, dominado por ciprestes e laranjeiras, há um pequeno cemitério com oito cruzes negras. Austeras, como se quer no Convento da Cartuxa, tanto na vida como na morte.

Nem tudo é obvio, irrompe o segredo que alimenta algumas especulações surpreendentes, o que, revelou o padre Antão aos jornalistas, "incomodou um pouco a parte em que eles falam de coisas más a acontecer aqui dentro do convento", referindo-se à misteriosa mensagem que um dos irmãos tentou, a todo o custo, passar.

dia a dia, para sempre!!!

Também nesta linha há que referir o documentário de Philip Groning, que retrata a vida dos homens no Mosteiros de Grand Chartreuse nos Alpes: O Grande Silêncio

Links:
Cartuxa: Viagem à casa dos últimos homens que sabem escutar - Vídeo do jornal Público
Cartucha - informação da Rádio Renascença
Cartucha - informação RTP
Entrevista com Philip Gröning, realizador de O Grande Silêncio, antes do lançamento de O Segredo da Cartucha

8 comments:

BlueVelvet said...

Querido Luis,
coube-me inaugurar este espaço de excelência.
Adorei, embora tenha muita dificuldade este tipo de vida, como alías o das Carmelitas.
Mas numa coisa estás certo:eles preferem a solidão e o silêncio. nós escolhemos a solidão e o ruído.
Beijinhos

avelaneiraflorida said...

Caro Luís,

Que presente bonito!!!! Um livro que vou procurar...
E todo este texto deixou-me uma vontade imensa de o ler...
Curiosamente, ou não, é um dos aspectos da vida que me interessa muito...
Sempre que tenho hipótese...ao visitar o nosso património procuro o silêncio dos claustros e alguns têm tanto para dizer!!!!
"Brigados" por mais este excelente post!!!!

Special K said...

Não sou um homem de fé mas admiro estes monges que num mundo como o de hoje vão viver em silêncio e solidão para um convento.
Enquanto o Vaticano vive no luxo e opulência, dá que pensar o modo de vida destes homens.
Vi o "Grande silêncio" e agora fiquei com curiosidade de ler o livro.
Um abraço.

ALeite said...

Ler e saber mais. Parabéns.

Maria P. said...

"nós escolhemos a solidão e o ruído" nestas palavras está tudo resumido.
Excelente.

Beijinho Luís*

pin gente said...

gostei muito de ler. não me é fácil compreender esta opção. será uma, entre tantas!
quanto ao dia a dia, para sempre!
não serão também assim os nossos?
abraço
luísa

João Roque said...

Já tinha ouvido falar do livro e do filme, e sempre me impressionou muito a vida destes monges, que até compreendo...
Apenas uma questão: não estou certo disso, mas parece-me que este mosteiro, abre por vezes excepçõe3s e aceita para uns dias de "retiro", leigos que ali vão buscar refúgio, descanso ou alento para enfrentar a vida; estarei enganado?
Abraço.

Cleopatra said...

A não perder!