É impressionante como numa cidade com uma oferta cultural tão rica como Lisboa (…) há tão pouca procura e se mantém no galarim esta gente bacoca, espertalhona e pobre de espírito que ostenta uns três automóveis de luxo e tem duas casas de veraneio e quantas vezes mistura negócios sujos com o seu peso político. Gente com ódio à liberdade e com desdém pelo povo, excepto quando fazem discursos eleitorais.
"Ao Contrário das Ondas", romance de Urbano Tavares Rodrigues, é um livro ousado, sobre os sentimentos, que questiona o futuro das sociedades actuais. É um romance intimista e que procura descer ao fundo da condição humana que, além de abordar o amor, o tempo e a liberdade, a obra procura suscitar a reflexão sobre "o capitalismo neoliberal", que fomenta cada vez mais a lógica "do rendimento e do êxito". Ao incluir no livro a hipótese de "uma privatização parcial do sistema judicial", pretende levar a reflectir sobre o futuro da sociedade. Segundo o autor, "as privatizações contrariam o sistema socialista e a Democracia", cabendo aos cidadãos "fazer frente ao que parece inexorável, mesmo que para isso tenham de sofrer duras consequências", como sucede com algumas personagens do livro. "A globalização capitalista parece hoje ser o único caminho, apesar de conduzir à desigualdade e à injustiça, mas é possível fazer-lhe frente” e o sentido do título é precisamente esse: ir contra as ondas. Neste cenário de convulsões políticas, o autor inscreveu as vivências das personagens que, num momento actual, "olham para o passado", observando à distância "as máscaras usadas ao longo do tempo" e o conflito que continua a instalar-se "entre as suas ambições e os seus ideais". As palavras de Urbano pintam o retrato da nossa gente, do nosso país. Reflecte-se muito neste livro o desejo de, como o próprio título diz, ir “Ao Contrário das Ondas, de remar contra a maré, num mergulho profundo ao ser humano.
[Foi uma bela prenda de Natal, que li num ápice. Na capa não aparece o mar, mas um comboio. Mas nas duas imagens encontra-se a ideia da vida como uma viagem. Aos 83 anos, e depois de mais de 50 obras publicadas, Urbano Tavares Rodrigues não quer e não deve parar de escrever].
[Foi uma bela prenda de Natal, que li num ápice. Na capa não aparece o mar, mas um comboio. Mas nas duas imagens encontra-se a ideia da vida como uma viagem. Aos 83 anos, e depois de mais de 50 obras publicadas, Urbano Tavares Rodrigues não quer e não deve parar de escrever].
9 comments:
Muito interessante, estou a pensar em le-lo. Diz-se que é de fácil leitura e que a nitidez das idéias do autor estão bem expressas no livro.
Boa dica :)*
"Brother"... quando me falaste deste livro, e li sobre ele, de imediato me remeti a (Nietzsche - Assim Falava Zaratustra, p. 25-26)
Agora, ao ler a tua critica ao livro - "olham para o passado", observando à distância "as máscaras usadas ao longo do tempo" e o conflito que continua a instalar-se "entre as suas ambições e os seus ideais" - não posso de novo de deixar de traçar paralelismos, entre este, as metamorfoses de Nietzsche, e as minhas próprias máscaras (tantas Luís...).
Já leste o texto "A 1ª Máscara" de www.aveneziana.blogs.sapo.pt, não leste ...
Pois!
Das Convicções ao "Contrário das Ondas", a viagem é intemporal ...
Deixo-te agora com um pequeno extracto de Zaratustra:
***
"Vou dizer-vos as três metamorfoses do espírito: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança.
Há muitas coisas que parecem pesadas ao espírito, ao espírito robusto e paciente, e todo imbuído de respeito; a sua força reclama fardos pesados, os mais pesados que existam no mundo.
"O que é que há de mais pesado para transportar?" — pergunta o espírito transformado em besta de carga, e ajoelha-se como o camelo que pede que o carreguem bem.
"Qual é a tarefa mais pesada, ó heróis" — pergunta o espírito transformado em besta de carga, a fim de a assumir, a fim de gozar com a minha força?
Não será rebaixarmo-nos, para o nosso orgulho padecer? Deixar refulgir a nossa loucura para zombarmos da nossa sensatez?
Não será abandonarmos uma causa triunfante? Escalar altas montanhas a fim de tentar o Tentador?
Não será sustentarmo-nos com bolotas e erva do conhecimento, e obrigar a alma a jejuar por amor da verdade?
Ou será estar enfermo e despedir os consoladores e estabelecer amizade com os surdos que nunca ouvem o que queremos?
Ou será submergirmo-nos numa água lodosa, se esta é a água da verdade, e não afastarmos de nós as frias rãs e os abrasados sapos?
Ou será amar os que nos desprezam e estender a mão ao fantasma que nos procura assustar?
Mas o espírito transformado em besta de carga toma sobre si todos estes pesados fardos; semelhante ao camelo carregado que se apressa a ganhar o deserto, assim ele se apressa a ganhar o seu deserto.
E aí, naquela extrema solidão, produz-se a segunda metamorfose; o espírito torna-se leão. Entende conquistar a sua liberdade e ser o rei do seu próprio deserto.
Procura então o seu último senhor; será o inimigo deste último senhor e do seu último Deus; quer lutar com o grande dragão, e vencê-lo.
Qual é este grande dragão a que o espírito já não quer chamar nem senhor, nem Deus? O nome do grande dragão é 'Tu deves'. Mas o espírito do leão diz: 'Eu quero.'
O 'tu deves' impede-lhe o caminho, rebrilhante de ouro, coberto de escamas; e em cada uma das suas escamas brilham em letras de ouro estas palavras: 'Tu deves.'
Valores milenários brilham nessas escamas, e o mais poderoso de todos os dragões fala assim:
'Em mim brilha o valor de todas as coisas. Todos os valores foram já criados no passado, e eu sou a soma de todos os valores criados.' Na verdade, para o futuro não deve existir o 'eu quero'. Assim fala o dragão.
Meus irmãos, para que serve o leão do espírito? Não bastará o animal paciente, resignado e respeitador?
Criar valores novos é coisa para que o próprio leão não está apto; mas libertar-se a fim de ficar apto a criar valores novos, eis o que pode fazer a força do leão.
Para conquistar a sua própria liberdade e o direito sagrado de dizer não, mesmo ao dever, para isso meus irmãos, é preciso ser leão.
Conquistar o direito a valores novos, é a tarefa mais temível para um espírito paciente e laborioso. E decerto vê nisso um acto de rapina e de rapacidade.
O que ele amava outrora, como bem bem mais sagrado, é o 'Tu deves'. Precisa agora de descobrir a ilusão e o arbitrário mesmo no fundo do que há de mais sagrado no mundo, a fim de conquistar depois de um rude combate o direito de se libertar deste laço; para exercer semelhante violência, é preciso ser leão.
Dizei-me, porém, irmãos, que poderá fazer a criança, de que o próprio leão tenha sido incapaz? Para que será preciso que o altivo leão tenha de se mudar ainda em criança?
É que a criança é inocência e esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira por si própria, primeiro móbil, afirmação santa.
Na verdade, irmãos, para jogar o jogo dos criadores é preciso ser uma santa afirmação; o espírito quer agora a sua própria vontade; tendo perdido o mundo, conquista o seu próprio mundo.
Disse-vos as três metamorfoses do espírito: como o espírito se mudou em camelo, o camelo em leão, e finalmente o leão em criança."
Assim falava Zaratustra, e morava nesse tempo na cidade que se chama Vaca Malhada.
***
"Ao contrário das ondas", Luís?
Ou na senda do nosso melhor?
Bjs amigo
Mel
PS.: O livro ...quero lê-lo...
Olá!
Obrigado, Luís. É um grande livro. Já li e não raras vezes passo os olhos por algumas frases.
Parabéns.
Muito obrigado pela dica... Como adoro ler, este vai para minha colecção;)
Desejo-te um optimo fim de semana.
Beijo e um :)
Bem parece que será assim.
Urbano Tavares Rodrigues é uma referência na literatura portuguesa e quer fazer até ao fim da sua vida exactamente aquilo que tanto adora fazer!
Interessante!
Bom fim de semana Luis
estimado Luis
Continuas a impressionar-me pelo teu ecletismo ....
Obrigada e bom fim de semana
MJ Corrreia
Quero ler. Tão bom, Luís, o jeito como escreves dos filmes e livros e eventos que gostas ...
Obrigada por receber-me com carinho em teu blog e incluir-me alí na turma da partilha de 2006! Tens um cantinho onde apetece-me estar amiúde.
Beijinhos
Este eu vou ter que ler!
Abração!
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