E desatei a ler esta poesia leve, em que cai a sombra dos dias e os pesadelos da memória, a leveza das lembranças também, anotações que serão, para que nada esqueça, para que alguma coisa se salve, a poesia será «o que resta do dia», na expressão tão pertinente que foi colher a Freud. E a ela, que tanto gosta da lentidão, do correio por via marítima (título da sua primeira recolha), tenho-a lido devagarinho, há sete anos que a vou lendo, afinal, sem atropelo, há poetas assim, a sua poesia é lenta, adagio molto.
Jorge Silva Melo
Fim de tarde na Avenida João XXI. A propósito de O que resta do dia, antologia de poesia e prosa de Judith Herzberg, Jorge Silva Melo leu no Pequeno Auditório da Culturgest poemas da autora neerlandesa na sua presença. A escritora que começou a publicar nos anos sessenta é considerada uma das vozes mais representativas da poesia contemporânea europeia. Afirmou uma vez: “Evito afirmações moralistas (…). Tento que o público experimente a mesma confusão que eu, quando observo a realidade.” O pós leitura esteve a mais. Onde há poesia com esta peculiaridade, qualquer ruído — especialmente se tolo, como fatal é quando se estimula a plateia a manifestar, é inútil. Ainda assim, o essencial perdura e é muito confortante.
Coragem
A noite deixou-me outra vez transtornada
lentamente a manhã se enche
de palavras que eu sei de certeza
que significavam alguma coisa, mas o quê?
que ontem significava alguma coisa.
Andar é balançar sobre os pés,
vejo na rua os seres de sangue quente
que tiveram também a inexplicável coragem
de se levantarem
em vez de ficarem deitados.
Nunca ninguém tem a certeza de nada,
de ser amado, de ser abandonado
tudo é possível e tudo é permitido
tudo sucede em alternância.
Agora me lembro o que queria dizer:
enquanto isso não trouxer infelicidade
é uma sensação agradável. Mas no fundo
somos doces como Turkish delight
numa lata cheia de pregos.
Judith Herzberg
Trad. Ana Maria Carvalho Lemmens
Jorge Silva Melo
Fim de tarde na Avenida João XXI. A propósito de O que resta do dia, antologia de poesia e prosa de Judith Herzberg, Jorge Silva Melo leu no Pequeno Auditório da Culturgest poemas da autora neerlandesa na sua presença. A escritora que começou a publicar nos anos sessenta é considerada uma das vozes mais representativas da poesia contemporânea europeia. Afirmou uma vez: “Evito afirmações moralistas (…). Tento que o público experimente a mesma confusão que eu, quando observo a realidade.” O pós leitura esteve a mais. Onde há poesia com esta peculiaridade, qualquer ruído — especialmente se tolo, como fatal é quando se estimula a plateia a manifestar, é inútil. Ainda assim, o essencial perdura e é muito confortante.
Coragem
A noite deixou-me outra vez transtornada
lentamente a manhã se enche
de palavras que eu sei de certeza
que significavam alguma coisa, mas o quê?
que ontem significava alguma coisa.
Andar é balançar sobre os pés,
vejo na rua os seres de sangue quente
que tiveram também a inexplicável coragem
de se levantarem
em vez de ficarem deitados.
Nunca ninguém tem a certeza de nada,
de ser amado, de ser abandonado
tudo é possível e tudo é permitido
tudo sucede em alternância.
Agora me lembro o que queria dizer:
enquanto isso não trouxer infelicidade
é uma sensação agradável. Mas no fundo
somos doces como Turkish delight
numa lata cheia de pregos.
Judith Herzberg
Trad. Ana Maria Carvalho Lemmens
7 comments:
Este blog é um desafio à inteligência!...
Bem haja!
:)
(Ai que inBeja!!! lol)
gostei muito de ler, luís!
e tanta gente vive a infelicidade como um karma... e eu sei que há altura em que nos punimos por sermos felizes, como se não tivessemos esse direito.
agora, sei que temos... sei que tenho!
a felicidade é uma sensação muito agradável.
abraço
luísa
Coragem.
o que nos falta.
a muitos.
a outros sobra.
a Si Luis sobra a capacidade de nos fazer sair.evadir. deste lado do chão.
beijo.
_____________encantado.
EXCELENTE, caro LUÌS!!!!!
"Brigados" por mais este post!!!
Magnífico.
Um beijinho*
a noite!
por um lado leva-nos a coragem... por outro, traz-nos o aconchego de estar a salvo, longe do mundo...
gostei muito
abraço
As coisas que por aquis e disseram na minha atarefada ausência. Gsotei do poema e do resto também, como sempre!
Boa semana.
Ah! gostei do filme "Expiação". por mais que queiramos nunca se expia algo que pesa na consciência, há uma tentaiva, alivia-se o fardo mas bem lá no sótão existe a dor de não se ser nobre, acho!
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