Wednesday, June 18, 2008

livros, disse ela…

(imagem retirada da net)

Foi um mágico final de tarde passado no número 16 da Rua Coelho da Rocha. Persuadido por aquela voz inconfundível da rádio e do pequeno ecrã, acostumei-me a aceder à intimidade do seu universo e dos seus entrevistados. Mas desta vez foi a própria, regressada da bela Sicília, a contar aquilo que vem promovendo o seu eterno namoro com a leitura, os livros que foram e continuam a ser preciosos para a sua existência, as obras que a marcaram e que ainda a fazem estremecer. Maria Joao Seixas (MJS), mulher que integra a Ordem daqueles que habitam as palavras, foi a desafiada de Os Livros que não Esqueci (2.ª edição a que assisto), na Casa Fernando Pessoa. Quando escuto alguém que estimo falar dos livros que marcaram a sua vida sinto-me convidado a entrar inesperadamente na sua torre de marfim e aí encontrar preciosidades que também me pertencem. Algumas das obras que foram aludidas por esta descendente de Sherazade são peças belíssimas: As Mil e Uma Noites (cereja em cima bolo); Nós Matámos o Cão Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana; Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa; Odisseia, de Homero; Antígona, de Sófocles; A Apologia de Sócrates, de Platão; Os Cadernos de Malte Laurids Bridge, de Rilke; A Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar; As Palmeiras Bravas, de W. Faulkner; O Poema Contínuo, de Herberto Hélder; Genji Monogatari, de 紫 式部. Quase noite e ainda viajava na lírica de Camões, na poesia do gaúcho Mário Quintana, nas comarcas literárias de Clarice Lispector e Yourcenar e já na última estação o bilhete é validado pelo Isto de Pessoa…

Nesta rota de livros e afectos, Maria João disse ainda com enorme sensibilidade Carlos Drummond de Andrade:

Era manhã de setembro
e
ela me beijava o membro

Aviões e nuvens passavam
coros negros rebramiam
ela me beijava o membro

O meu tempo de menino
o meu tempo ainda futuro
cruzados floriam junto

Ela me beijava o membro

Um passarinho cantava,
bem dentro da árvore, dentro
da terra, de mim, da morte

Morte e primavera em rama
disputavam-se na água clara
água que dobrava a sede

Ela me beijava o membro

Tudo que eu tivera sido
quanto me fora defeso
já não formava sentido

Somente a rosda crispada
o talo ardente, uma flama
aquele êxtase na grama

Ela a me beijar o membro

Dos beijos era o mais casto


Interessante seria que a MJS, ela própria, se aventurasse pelos territórios da ficção.


Bem sei que o tempo não é elástico e que a pilha de romances e afins que chegam às minhas livrarias preferidas (incluindo as virtuais) já me olha de soslaio. Destaco algumas das obras inscritas na minha lista de espera: Pais e Filhos, do russo Turgueniev [já na mesinha de cabeceira], Praça de Londres, de Lídia Jorge, Venenos de Deus, Remédios do Diabo, de Mia Couto, Night Train to Lisbon, de Pascal Mercier ou tão diferentes como a biografia da Hillary Clinton, a A Patagónia, do viajante Bruce Chatwin, a escrita pungente de Etty Hillesum - letters from Westerbork, a prosa do poeta Alexandre O’ Neill, em Já Cá Não Está Quem Falou ou mesmo icons of Jazz, de Dave Gelly. Mas não perdem por esperar. E, que venham mais e mais para me inquietar o espírito…).

11 comments:

Anonymous said...

Sempre achei que a Maria João não precisava de se colocar em bicos de pés para nos deliciar com o que nos quer contar (ao contrário de vários intelectuais que, mais conhecidos - mais alpinistas portanto - têm de suar muito para nos prenderem ao seu discurso).
E quem sugere esses livros do seu top, não é, definitivamente, gaga. ;)

A tua lista - bem interessante - tem o mal de muitas outras listas. É de espera.

João Roque said...

Meu Deus
eu só devo poder ler tudo o que tenho para ler na próxima encarnação...é uma vergonha, mas é verdade.
Já sabes, porque te disse por telefone, o desafio que tens no meu blog; espero e estou certo que lhe vais dar (à história) um ritmo novo, ao teu bom estilo.
Abraço.

Maria said...

Hoje mesmo na fnac fiz uns estragos... e comprei o do Mia Couto... (também tenho uma lista de espera) :)
Que dizer do Carlos Drummond de Andrade? Que é excelente, e é pouco...

Luís said...

Eu terminei ontem um que me deixou a pensar. Aquele que começar a ler hoje tem que ser seguramente mais leve...

Anonymous said...

interesante listo. gosto especialmente do chatwin, de quem li colina negra. recomendo-lho tb. um saudozinho do norte.

D. Maria e o Coelhinho said...

ai, este poema parece mesmo a descrição da vida que agora levo aqui na floresta.


coelhinho

sofialisboa said...

força é coisa que nunca me faltou, mas mesmo os fortes tem momentos vazios...obrigada sofia

tulipa said...

Luís
muito obrigado pela tua rota de livros e afectos.

O que eu tenho para oferecer é uma visita virtual aos glaciares, se estiveres interessado, vem comigo.

Ou então, uma sugestão bem mais perto: que tal uma visita à Rota das Tabernas?
Huuummmmm, que cheirinho a jaquinzinhos fritos.

Bom fim de semana.
Abracinhos.

avelaneiraflorida said...

Amigo Luís,
e a minha pilha também não pára de crescer...e o tempo vai ser muito , muito pouco!!!!
Enfim,

A seu tempo...
Uma listagem de olbras bem interessantes. Algumas já li e posso destacar " Nós matámos o cão tinhoso"...que foi a chave de abrir o meu olhar para o mundo da literatura africana!!!!
Boas leituras!!!!

Anonymous said...

tantas sugestões...

paulo said...

ouvir os outros falar dos seus livros é um convite a passarmos em revista os nossos e sermos invadidos pelo gosto dos outros. é daquelas experiências de partilha quase mágica. a MJSeixas partilha dessa capacidade mágica de envolvimento.
quanto às tentações que apresentas, são muitas, mas primeiro tenho os livros em espera a aguardarem a minha atenção.